Valkíria e Valentim



Texto inspirado pela fictícia inércia e sentimento de Valkíria, escrito durante a noite em seu quarto, após o dia narrado pelo capítulo II e seus subsequentes no livro “PREDADOR SEXUAL” – de autoria de Sebastien Cavendish (Vinicius Osterer). O livro quebra os paradigmas e convenções sobre o sexo, ao mesmo tempo em que o relacionamento de Valentim com Valkíria, os personagens principais, que passam a narrar os acontecimentos por suas percepções, pensamentos e diálogos, acaba ficando cada vez mais próximo. Leia com a cabeça aberta, sem qualquer pré-concepção ou julgamento. Após este texto fictício serão apresentados os personagens principais: I – Valentim e II – Valkíria. Espero que adentrem de corpo e de alma nesta concepção onde busco resaltar a importância da diferença e como ela não é tão diferente assim.

O balé serviu para alguma coisa...

Eu o conheci. Estava parado olhando para o mundo.
Ele fumava um cigarro na janela em uma luz perfeita.
Fiquei olhando e eu o conhecia então me aproximei,
E olhei para os seus olhos que refletiam os prédios.
O meu mundo passou a ser ele por alguns segundos,
O meu corpo sentiu um arrepio, a minha boca secou.
Em pouco tempo eu estava perto dele,
Falando com ele. E ele era aquele mesmo Valentim.
Era o meu Valentim de um desencontro.
O Valentim da pressa. E eu esqueci até de voltar ao balé.
Mas, acho que nós dois esquecemos de voltar ao mundo,
Estávamos entre frases faladas e as frases pensadas.
Eu nunca entendi essa tal de química perfeita,
Entre dois corpos ou entre duas almas gêmeas.
Ele fazia gestos que me fascinavam,
E aos poucos todos os gestos me seduziam.
Eu era a fraca? Não. Eu nunca caí em encantos,
Mas aquele olhar que conspirava me atraia,
Alguma coisa nele me envolvia,
Era um sentimento tão contraditório.
Nós nos conhecemos melhor no almoço,
Mas eu não queria saber nada de específico,
Se ele tinha mãe, pai, irmão, problema ou coisa tal,
Não queria me envolver para depois me arrepender.
Sabe quando a razão é cegada pelo coração?
É assim que eu descrevo este dia.
Não quero falar aqui sobre as coisas a mais.
E se teve mais coisas? E como teve mais coisas.
O toque dele é tão bom. A boca dele na minha.
Se for um crime amar, então eu o amo.
Eu quero descobrir o que aqueles olhos escondem,
Por que eu me senti a presa atraída pela fera.
Mas e o que será que ele pensou?
Sinceramente nem me atentei para este fato.
Mas ele me prendeu e me devorou com vontade,
E eu o deixei desbravar todo o meu corpo.
Em um dia muita coisa aconteceu na minha vida,
E escrever como sempre acaba sendo minha terapia.
O que existe em você que fascina tanto? Irei descobrir!...

(Valkíria)
Feito em 28 de janeiro de 2015.


Capítulo I - Valentim
Roupas curtas e suor. É a hora da malhação e da dor. Tanta dor de ego e tanta dor muscular, tanta dor na alma e tanta dor no olhar. Malhação do corpo e malhação de Judas. Malhação da língua e da vontade de viver. Quem nunca, mas nunca... Que atire a primeira pedra.
Valentim eu apenas acho que nunca. Sim Valentim, sim Valentim. Será?
Com um súbito pulo Valentim acorda para mais um dia de trabalho e isso já é uma coisa rotineira em sua vida, desde que começou a trabalhar na academia. Hoje ele é personal trainer. Adora sua profissão. Nada é mais recompensador do que ajudar a quem dele necessita. E ainda mais nesses dias de hoje, onde todo mundo virou uma grande bola semicircular peluda e interconectada a uma vidinha patética de aspiração e de ostentação social. Selfies e mais selfies e muita gordura trans e sódio. Mais e mais refrigerantes e doses imensas de doces, de pizzas, de fastfood, de vida americanizada, vida sem hora para nada. Sim Valentim. Sim Valentim, este é o seu mundo e este problema agora é o seu.

- E quem disse que eu não tenho os meus problemas?

O rádio relógio anuncia que ele estava mais atrasado do que o normal. Também, após os drinques da noite passada, de tantas partidas de sinuca e de tantas carteiras de cigarro barato, estava mais do que na hora do exemplo de salvação do mundo acordar. Se ele sentia o amor pela sua profissão e se achava o salvador da humanidade, não se podia dizer o mesmo da sua vida. Um homem decepcionado, mas que mesmo assim ainda vivia.

“Eu não sei. Hoje quem sabe eu morra. Bom, eu tenho que ir trabalhar por que não posso me atrasar mais, morrendo ou não. Já fui alertado tantas vezes, mas esta cama está tão boa, bem que poderia ter nascido rico, ter tido algum talento ou ser algum artista, ser mais do que isto. Mais do que isto.” Ele pensou.
- Um Bom dia para mim, para mim ou para eu? Sabe que nunca me informaram qual é a diferença, se ela existir...! Nossa que porra para se falar, hora de ir para o trabalho...

Enquanto toma o seu banho suas mãos deslizam pelo seu corpo, relembrando aquele toque já perdido, e aquelas velhas decepções já vividas. Os rostos que já lhe ajudaram a se sentir sexualmente prazeroso. E Valentim presenteia a si mesmo com uma masturbação meio conturbada pela espuma do sabonete e do shampoo para cabelos escuros. Assim começa mais um dia e termina outro. Um banho. Um bom banho. Escovar os dentes, passar gel no cabelo e arrumar da maneira e do jeito que ele gosta. Por quê? Um homem não pode? Mas quem foi que falou isso? Roupa limpa, uniforme de trabalho, barba feita. Mochila, água, fruta e seu suplemento alimentar recomendado pela nutricionista. Este é o dia. E deixem que falem as más línguas.

-Bom dia Valentim.
-Bom dia senhor José. Tem alguma correspondência para mim?
“Ou para eu... não sei quando é eu ou mim, ou se existe mim.”
- Não hoje nada.
- Bom, então se chegar alguém avise que estou na academia, e se chegar alguma coisa me avise...
- Ok, pode deixar.

E lá se vai Valentim. O mundo lá de fora lhe espera com suas acusações, enquanto o mundo ali de dentro lhe difama com seus preconceitos.

- Viu dona Jandira, nem olhou para a senhora. Depois que a senhora espalhou pelo prédio que ele era gay, nem lhe cumprimentar lhe cumprimenta.
- E eu menti senhor José? Não. Eu vi com os meus olhos a pouca sem-vergonhice que ele estava fazendo no apartamento dele com o amigo dele.
- Mas e como a senhora viu? A senhora mora dois andares acima e ele tava dentro do apartamento dele.
- Eu vi e pronto. E se ele não fala comigo é por que é um gay consentido. Que desperdício. Um rapaz tão bonito. A mãe dele deve ter vergonha do tipo de filho que criou. Pobre coitada. Imagine se fosse o meu Carlinhos? Ainda bem que meu Carlinhos é diferente. Um garoto de verdade. Um garoto exemplar.
- Sei dona Jandira. Sou apenas o porteiro. Não cuido da vida de ninguém daqui não. E se ele for também problema é dele. O cú é dele, a vida é dele. E antes dele do que no meu.
- Credo, que linguajar mais baixo. Isso não é comportamento de uma pessoa descente. Com licença.
- Isso, vai mesmo. Vai achar a vida de alguém para cuidar. Da portaria cuido é eu.

Valentim liga o som de seu carro e sofre igualitariamente com os outros milhares de motoristas que se aventuram ao extraordinário milagre da locomoção matinal. Prefiro encurtar a história por que nada tem de belo para se falar sobre o congestionamento, os sinais de transito, as pessoas violentas, a intolerância, e outros tantos blábláblás e besteiras associadas a este tema. Até por que eu sou uma das milhares de pessoas, e não tenho nenhuma paciência para descrever todo este trajeto do condomínio á academia. E nada de tão interessante poderia acontecer... Apenas o telefone dele poderia tocar, e ele poderia cogitar em não atender, por que saberia quem era a pessoa do outro lado da linha, e saberia absolutamente o que esta pessoa queria falar. Após três chamas perdidas ele poderia atender e ouvir aquilo que saberia que iria ouvir...

- Valentim, queria tanto poder te ver novamente. Tenho muitas saudades de você. Não consigo mais pensar em nada. Desculpe por não acreditar em você...
- Agora você acha que eu estou certo. Bem agora que já estou seguindo a minha vida? Você tinha sido a primeira pessoa em tudo. E foi também a primeira pessoa que não confiou em mim. Manda mensagens agora com arrependimento. Acho que está tarde para voltar e tentar recuperar aquilo tudo que já foi muito bom para mim.
- Mas Valentim. Eu ouvi as pessoas erradas. Eu julguei você com a perspectiva errada...
- Desculpa, eu vou ter que desligar. Estou chegando a meu trabalho e agora sinceramente não é uma boa hora. Tente viver assim como eu fiz. Como eu fiz quando você me deu um pé na bunda. Quando você me disse aquilo tudo por que ouviu a sua querida amiga de três meses. Aquela que você acreditou que era sua amiga e acabou roubando o seu cartão, e fazendo aquele gasto absurdo. Sabe o que você é...
- Por favor, não fala assim comigo...
- Você é carente. Você é como todos os outros. Não consegue passar um dia da sua vida sem alguém do seu lado, sem se aparecer de alguma forma. Está na hora de você crescer. Para mim acabou e agora quem não quer mais nada com você sou eu.

Acorda Valentim, o sinal abriu. E nada de interessante aconteceu. Você parou para pensar no que poderia acontecer e não aconteceu. Valentim para o carro na frente da academia e luta contra a ideia de ligar para a pessoa dos grandes e compridos cabelos loiros. A pessoa que o ensinou a amar, a transar, a beijar. Que o ensinou as melhores posições de sexo, as melhores formas de crescer e ser um homem. Mas por hoje o seu dia ainda tem muita malhação. Malhação de corpo e de língua. Malhação de copos e malhação de caras. Um espetáculo perfeito com gritos, com dores e com varas. Sim Valentim. Sim Valentim, o predador amadureceu e mostrou as suas garras. Sim Valentim. Sim Valentim. Eu sei que esta sua atitude poderia estragar a sua semana.

- O que foi? Me deixa entrar para trabalhar! – Gritou ele para alguém que cortou a sua preferencial para estacionar, e para mim que me intrometi onde não fui chamado.
- Tudo bem Valentim.

Capítulo II – Valkíria
“Eu não posso dizer se o dia estava ensolarado ou com nuvens. A minha percepção não estava nada boa. Eu não consigo lembrar-me das palavras, apenas daquele não me deixe morrer. Eu não posso ver aquele dia com cores. Lá estava ela. A minha mãe em um caixão. Ali estava eu olhando o rosto pálido, aquele lindo rosto, aquela bela mulher. Eu estava presente, mas não estava naquele momento. A minha mãe morreu! Meu Deus! A minha mãe morreu! Não olhei para o céu, mas ele estava sobre aquela imensidão de túmulos do cemitério. Eu nunca pensei em lhe enterrar. Minha mãe como eu te amo! Mãe!”.

Mais um pesadelo que acorda Valkíria pelas 4:00 horas da manhã. Depois que sua mãe morreu, ela não consegue mais dormir em paz sem um pesadelo. Também pudera, sua mãe sempre foi a sua única amiga verdadeira, a sua protetora. Não tinha mais sono e por não tê-lo tratou de acordar um pouco mais cedo. Arrumou o seu quarto, tomou o seu banho, trocou de roupa, arrumou o cabelo, conferiu a lição que o seu irmão deixou na mesa, passou um punhado de roupa que se acumulava já fazia algum tempo. As horas não passavam e Valkíria não sabia mais o que fazer. Resolveu parar para fumar um cigarro na sacada, já eram 7 da manhã e as pessoas saiam para o serviço. Ela volta para o quarto e veste o seu pijama, desarruma a cama e volta a dormir.

- Valkíria... Acorda! Você hoje tem balé! Valkíria...
- Eu já vou...
- Vai se atrasar...
- Me dá mais uns 10 minutos...
- Eu sei que você levantou bem cedo, vamos Valkíria. Vi a minha lição corrigida de novo. Vamos tomar café por que o papai quer ir trabalhar...
- Já vou, já vou, que saco...

Ela levanta da cama e coloca a sua roupa de balé. Dirige-se para a cozinha para tomar café.

“O que é isto Valkíria? Coloque um sorriso nesta sua cara, sua vadia. Se você não está bem, o problema é seu e não do mundo”. Ela pensou.

- E aí Valkíria, acordou com fome?
- Eu tenho que comer, eu não tenho?
- Eu sou mais novo do que você Valkíria, e quem faz greve adolescente de fome nesta casa é você!
- Alguém nesta casa tem que enxergar que ainda tem filhos neste mundo!
- Nem precisa gritar! Eu acabei de tentar chamar ele e vi que ele não está em casa. Dormiu fora de casa novamente.
- Quem bom. Muito bom tudo isso. Ao menos ele deixou o outro carro. É. Vai ter que ser eu hoje para te levar para a aula piralho...
- Piralho não! Eu já tenho 17 anos, você que é idosa...
- Haha! Bom, então hoje como eu não preciso fazer a minha greve de fome e a minha encenação, me passa dois pães e a manteiga...
- Cuidado... Já está um bucho de gorda! Depois não consegue mais dançar balé, e aí?
- Cala a boca! Só você para me fazer rir logo cedo depois desta noite espetacular!...
- Nossa! Quanto sarcasmo. Teve outro daqueles pesadelos?
- Sim. Estão cada vez piores.
- É. Isso é muito complicado. Eu também sinto muito a falta dela aqui em casa, e na minha vida.
- Bom, vamos nos apressar... Hoje você vai chegar para a segunda aula.
- Eu sei. Mas eu odeio mesmo educação física. Então eu realmente não me importo.
- Pois deveria ganhar uns músculos, seu magricela! Como é que vai arrumar um namorado?

Se eu estivesse olhando para a sua cara no exato momento após a palavra “namorado”... Mas Valkíria pode. Pois Valkíria é a dona deste capítulo.

- Eu não preciso disto! Eu tenho o meu charme próprio!
- Bom se você diz!
- Haha!
- Haha! Digo eu... O seu bom humor sempre aumenta a minha vontade de viver por mais um dia. Eu te amo!...
- Eu também te amo Valkíria!
- Me chama de irmã porra...
- Não. Não sou seu irmão. Não puxei os seus genes gordos, então eu não sou seu irmão. Sou magricela!
- Ofendidinho! Vamos então para o colégio Valdecir Júnior?
- Credo! Além de falar com a boca cheia de pão, a relaxada ainda tem que falar este palavrão... Por que meu Jesus? Por que usaram toda a inspiração para o seu nome, e me deixaram com um Valdecir? E Júnior? É muita humilhação para uma pessoa só. Daí a criança cresce traumatizada e aí... E aí?
- Hahahaha.... Eu quase me mijei agora...
- Vamos logo antes que você urine no chão da cozinha e aí tenha que limpar. Aí eu chego apenas para o intervalo... E você perde a seleção dos cisnes brancos, negros, azuis marinhos, eu sei lá que cor...
- Vamos... Pega ali a chave faz favor Valdecir...
- Aí! Credo! Para com isto. Vou chamar um exorcista para você...
- Hahahaha...

Valkíria liga o som de seu carro e sofre igualitariamente com os outros milhares de motoristas que se aventuram ao extraordinário milagre da locomoção matinal. E blábláblá...

- Não se esqueça de que você tem que me buscar! Depois daqui vou com uns amigos almoçar e para o inglês. Aí me encontre lá...
- Sim. Eu vou ficar hoje até de meio dia no balé e aí de tarde eu passo lá. Qualquer coisa ligue-me...
- Se você atender... Por que vamos falar sério. Pra o que é que você tem um celular em Valkíria?
- Para não ser a única pessoa da face da Terra que é incomunicável! Até mais Valdecir...
- Aí não! Por hoje minha cota de você acabou... Beijos queridinha!
- Hahahahahhaa...

Depois de levar o seu irmão para o colégio, ela direciona-se para a academia para a sua aula de balé. Óculos escuros, vidro fechado, ar condicionado ligado e música alta que diz: “Tudo fica por um fio, enquanto danço no vazio...”.

- Save the last dance for me!!!!.............Ahhhhhhhhhhhh… Eu estou viva! Hahahahahahhaha... Ai que bom... Onde vou estacionar? Aí que merda.. Que fique aqui mesmo, neste lugar já está mais do que perfeito... Foco, fé e força Valkíria! Meu Deus o que este carro está fazendo aí parado... Vou estacionar... Ei olhe por onde anda! Bailarina entrando no recinto... Credo!
- O que foi? Me deixa entrar para trabalhar!

“Nossa, que sujeito estúpido... Vai então... Nem consegui ver o rosto dele... O que está escrito ali na mochila? Valentim? Nossa que nome forte e que homem forte... E que bunda... Até que me cairia bem!” Ela pensou.

- Tudo bem Valentim.

“Nem me ouviu. Deveria estar atrasado ou é grosseiro e mal educado. Controle-se Valkíria. Libere o seu cisne negro hoje no balé. Mate alguém. Empurre alguém da escada. Coloque cola na sapatilha de alguém. Quem sabe hipercalórico no suco de proteínas do sol do Tibete, China, Coréia do Norte, ou qualquer diabo a quatro desta maldita academia”.

Capítulo III – A Cobra do Éden

- Sempre meiga não é mesmo Val?
- O que foi menina estúpida?... Vai cuidar do seu perímetro e sai de perto de mim... Credo... Encarno em mim agora...
- É melhor você se cuidar...
- É melhor você cuidar um pouco mais da sua vida... Além de gorda virou barraqueira?
- Sinto lhe informar que serei a primeira bailarina...
- A informação que eu vou te dar são cinco dos melhores dedos que você irá experimentar no meio da sua cara... E eu com isso garota... Some, passa fora daqui!
- Quanta agressividade!
- Eu ainda nem fiz você nascer de novo. Quando chegar este dia, o sua bailarina de circo, aí sim você vai ver o que é agressividade.
- Com licença...
- É o que se pede antes, para falar com alguém, e para de me chamar de Val... Vaca. Haaaaaaaaaaa. Que raiva! Conte até dez Valkíria!

“Hoje será um dia bem tenebroso... Começa com grosserias e espero que não acabe em mortes... hahahahhaa... vamos começar sua vadia” Pensou ela.

- Quase atrasado novamente Valentim?
- Desculpa, se a gente se atrasa 10 minutos em casa, já pega um congestionamento caótico para chegar ao trabalho...
- Isto não me interessa... Você já foi avisado. Na próxima vez, você está na rua. Não quero saber como você vai chegar aqui... Pegue carona com a nave da Xuxa, dê o seu jeito!
- Desculpa senhor. Já falei que não irá ter próxima vez.
- Eu só estou querendo lhe orientar. É ago positivo para você!
- Sim. Isto é bom para mim. Vou ir começar a trabalhar!
- Isso, vai. Gosto de eficiência, de motivação. E você tem tudo isso. Apenas não se atrase... Odeio a falta de pontualidade alheia.
- Sim senhor.

“Hoje eu ainda cheguei com tempo e ele fica me cagando na cabeça! Vou me controlar, hoje não é um bom dia para perder a minha cabeça ou o meu emprego. Bom para mim ou para eu?” Pensou ele.

Mãos na barra, pernas para o ar. Pequenas bailarinas espetadas como bonecas de voodoo, ou bonecas do quebra nozes de Tchaikovsky. Dançam com as mãos para cima, levantam suas cabeças e abaixam as suas penugens de cisnes brancos, de patas chocas, de amor e ódio, de pavor, de vida, de libertação. Elas vão para o inferno, queimar como pecadoras sem arrependimentos, elas voam para o céu, tocando harpas como os anjos, elas dançam porque dançam. Arrancam suspiros com saltos e não saltos. E se rastejam e seduzem como a serpente do éden, a cobra mortal da tentação do conhecimento, onde você se atenta para o fato de querer conhecer mais sobre o corpo, sobre o que pensam, quais são os seus medos e o que elas escondem, porque elas dançam, quais são as suas histórias de vida?

- Vamos fazer uma pequena parada para um descanso!
- Obrigado! – Falou ela baixo. Olhe quem está ali! É o grosseirão de antes...

Valkíria direciona-se para o nosso Valentim, que estava parado perto da porta dos fundos, tentando esconder que fumava cigarros na hora do trabalho. Calmamente, com os passos contados, ela se aproxima e o analisa. Ele estava uniformizado, media aproximadamente 1,80 metros, cuidava de sua saúde, pois, não aparentava possuir alguma doença ou algo do gênero. Tinha cabelos curtos e escuros, lisos e meio bagunçados, e o seu rosto possuía certa feição fina e delicada ao mesmo tempo em que demonstrava expressões fortes e másculas. O seu olhar era meio enigmático, um daqueles que você sabe que esconde algo, um segredo ou uma iniciação ritualística oculta. Era forte, mas aparentava ter um grande ponto fraco, uma moléstia dentro da sua alma. Valkíria teve um arrepio, mas um bom arrepio, aquele que se tem apenas uma vez na vida, e acelera um pouco mais os seus passos.

- Você é o grosseiro que quase me derrubou na entrada da academia, e que não me deixou estacionar?
- Como? – Valentim olha meio assustado, voltando para o mundo.
- Você trabalha aqui?
- Sim. Eu sou personal da academia. Desculpe-me se eu fui grosseiro... Estava meio atrasado e com medo de perder o meu emprego...
- Tudo bem Valentim.
- Você sabe o meu nome?
- Nomes fortes como o seu eu tenho o hábito de não esquecer, e eu vi seu nome na mochila quando você estava entrando. Meu nome é Valkíria e eu faço balé...
- Oi Valkíria... Meu nome é Valentim e eu não costumo ser mal educado...
- Sem estresse, eu também não costumo tentar tirar satisfação assim, não sou barraqueira, ás vezes só falo um pouco de mais...
- Você é linda! O seu cabelo é ruivo, parece-me que natural... Você é linda!
- Você é gay? Me desculpa!
- Não. Por quê?
- Sei lá... Meio estranho um homem elogiar o meu cabelo, não estou acostumada a ouvir isso...
- Estranho em que concepção? Agora eu tenho que elogiar a sua bunda e os seios para ser mais homem ou para ser um?
- Não. Eu apenas achei estranho. E gosto de sinceridade. As pessoas em sua grande maioria não conseguem agregar valor naquilo que falam... Falam da boca pra fora... Mas você... Não sei.
- Eu sei. Hoje em dia é tudo tão artificial... Tudo tão estranho... Sei lá... Eu que vivo neste mundo da academia é que sei o quanto eu me deparo com situações cotidianas de pessoas que são tão obcecadas por si mesmas, que se esquecem do que existe lá fora, e lá fora tem um mundo tão grande para se conhecer você não acha? Tava aqui fumando e vendo isso... É tão bonito não é?
- É o que eu digo para mim mesma todos os dias, mesmo sem saber se é certo dizer mim ou eu, sei lá.
- O que você disse?
- Que digo para mim mesma todos os dias, que existe um mundo maior do que esta cidade, do que esta vida que eu tenho, maior do que tudo, maior do que eu...
- É.
- Sabe que foi muito bom você ter sido grosseiro. Eu vim aqui com o propósito de descontar a minha raiva em alguém, vi você e vim...
- Nossa! Isso sim que é determinação e verdade...
- Acima de determinação e verdade... Isso é ser Valkíria... Ainda não sei por que continuo a fazer balé...
- Não gosta?
- Não sei. Ainda não descobri. Tenho esse hábito meio estranho de tentar descobrir se eu gosto de algo fazendo algo... E até não ter a minha opinião eu fico lá... Não é estranho?
- Às vezes sou assim... Desta forma fiz educação física... E quando vi estava formado, tendo que trabalhar, me sustentando e vivendo a vida...
- E não se arrepende?
- Existe um momento na vida que não há mais como se arrepender... As contas chegam, e você tem que dar um jeito para viver...
- Sabe que eu gostei de você. Ou você me achou desinteressante para não ter dado em cima de mim ou você realmente merece o meu respeito e a minha consideração...
- Você é bonita, inteligente e incrível...
- É comprometido?
- Não... Adorei muito conversar com você... Mas, tenho que voltar para o trabalho, eu saio daqui de meio dia... Aí encerro o meu expediente por hoje...
- Eu aceito o convite... Também saio daqui esta hora, quando acabar o meu balé... Você tem certeza que não é gay?
- Sim... huahuauahua
- Por que ser bonito, inteligente, educado e... Ou seremos grandes amigos ou seremos grandes amantes...
- Amantes seria mais o meu feitio...
- Valkíriaaaaaaaa, o balé... Vamos Valkíria! – A professora chamava-a.
- Até mais então, Valentim. Tenho que ir, mas te espero na entrada...
- Vou te levar para comer alguma coisa hoje...
- Gosto de aventuras... E de experimentar novos sabores...
- Este sabor então, vai ser especial...
- Para mim já está sendo...

[...] Continua o capítulo.
 


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